sábado, 24 de abril de 2010

INOCÊNCIA

angústia disfarçada de amor
fez com que ele se declarasse ao antigo namorado
pegou o telefone
e sem pausa falou tudo que circulava confuso no peito
contou sobre os últimos acontecimentos
as contas a pagar
dentes cariados que teria que arrancar
viagens que sonhava fazer
planos de fuga

do outro lado da linha
no outro ponto da história
o "piu-piu", lindo, loiro
de cueca samba-canção
pau grande balançando
cara amassada e boca fedida de sono
apenas ouvia
olhos azuis arregalados
refletindo um outro olhar desesperado
lágrimas do início ao fim
do outro lado da linha um tango tocava
bate o telefone
coração acelerado
desiste do presente, projeta o futuro no passado
olha no fundo dos olhos negros desesperados ao seu lado
e põe um ponto final no amor mal terminado

a menina que a poucos minutos dormia ou fodia
joga calcinhas e pequenos objetos
na bolsa, bate a porta e sai
desce as escadas, doida pelo tropeço
querendo rolar, despencar
com toda força que a lei da gravidade permitir
nenhum desejo é atendido
não existe em seu corpo coragem que permita tais movimentos
pega o ônibus
duas horas rodando
o céu querendo ser outro, mudando
brilha
acinzenta
chove
brilha em dois arco-iris
ela vê no campo ao lado da estrada
mais de cinquenta urubus abrindo em coro suas asas
e mirando os arco-iris
não dorme impressionada com o estranho festival
mal agouro ou sorte?
chove e clareia antes do temporal

em casa encontra o bebê "piu-piu" dormindo de pijama
a babá também dormindo, babando na cama
-o sono é sempre inocente e não sabe do movimento que a vida faz
toma um comprimido e beija o anjinho antes de dormir em paz

o menino "piu-piu" amarelinho
loirinho como o pai
acorda assustado de pesadelo
chora até cansar
pula o berço
anda pela casa movida pelo silêncio
brinca com o fogão
vê a curiosidade dos seus olhos azuis
refletida no brilho das facas
tenta enfiar o dedo em muitas tomadas
e sem querer liga o ferro de passar...

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