quinta-feira, 13 de maio de 2010

POEMA

queria ser o poeta que sem esforço abre a boca e solta língua
aqui existe um trabalho penoso
o pensamento move-se lento e embaraçado
as palavras são poucas e parece que nunca foram escritas
nunca foram lidas
vividas
faltam tantas palavras
e a poesia inútil cresce
as melhores imagens desaparecem
exatamente quando a caneta se agita
e tudo é solidão
nada faz companhia
falta lua
falta namorada
faltam rimas pras madrugadas
pros segundos largos ocupados pela insônia
marcada no tic-tac do relógio
tédio mal-assombrado
se o poema pelo menos se revirasse na tumba
e viesse como os fantasmas da infância puxar os meu pés
eu gritaria
felicidade assustada de criança que ganha um presente inesperado
abriria um vinho mesmo sendo cafona
assumiria o risco de ser abandonado
e se ele curtisse e ficasse encostado
assoprando na minha orelha
como espírito desencarnado
eu abriria todos os sentidos
e por ele escreveria a bendita oração
a história esquecida
reviveria o amor inacabado
e se ele invadisse o meu corpo e me fizesse dançar
eu entregaria minha cabeça
e os atabaques tocariam xire de orixá
e meu giro descalço de olhos fechados seria o próprio poema
e nenhuma palavra precisaria ser dita

terça-feira, 4 de maio de 2010

À CRIATURA SEM ESPELHOS

me diz: quem foi a medusa que lhe transformou?
ela fez sua cara ser feia?
nasceu assim ou é puro amargor?
suas presas imprestáveis,
inveja e despeito inigualáveis
seus líquidos inúteis
de quem herdou?
sua saliva que a ninguém mata a sede
seu sangue que não alimenta
orixá, egun ou exu
e seus olhos arregalados
são de quebranto, medo ou rancor?
responda-me, criatura!
e quem lhe tem amor?